MICRONACIONALISMO, SUAS VERTENTES E OBJETIVOS
MICRONACIONALISMO, SUAS VERTENTES E OBJETIVOS
Por
Sua Majestade Imperial e Real, Oscar, Imperador-Rei da Kárnia-Rutênia.
Preâmbulo
O
termo “micronacionalismo” surgiu na metade da década de 1990 e é amplamente
aceito que o autor da expressão, Robert Ben Madison, a tenha criado por
significar, literalmente, “pequenas nações”, para referir-se ao fenômeno do
surgimento de pequenas entidades organizadas como Estado-Nação não reconhecidas,
muito embora a expressão também abarcasse entidades criadas no século XIX. A
contraparte dessa expressão é “macronação”, que refere-se às nações
consagradas, especialmente as que integram as Organizações das Nações Unidas e
que não se confundem com os microestados, que são Estados internacionalmente
reconhecidos mas são pequenos em extensão geográfica (1) (2).
Micronações,
em síntese, são entidades que visam, em variada escala substituir, parecer,
zombar ou coexistir com Estados reconhecidos e independentes nos termos do
Direito Internacional. Em comum, projetos micronacionais podem estabelecer a já
mencionada organização na forma de Estado-Nação, mas expressar reclamações
territoriais (3), podem desenvolver símbolos e contabilizar cidadãos e, este
último aspecto, naturalmente varia em termos de aquisição e experiência
sociopolítica dentro do projeto micronacional.
Um
critério comum para distinguir micronações de países imaginários, tribos, clãs
e outras entidades é a procura pelo reconhecimento de sua soberania. Ocorre que
essa definição é, por excelência, muito rasa. Ora, se uma micronação procura
ser um meio de ativismo artístico, por exemplo, o viés político da
“independência” é mais um ato artístico do que de Direito Internacional. Se um
projeto micronacional vislumbra a sátira, mas se organiza como Estado-Nação e
detém nos termos basilares da Convenção de Montevidéu, ela então seria apta ao
reconhecimento?
A
Convenção de Montevidéu Sobre os Direitos e os Deveres dos Estados de 1933 (4)
foi a tentativa de estabelecer critérios objetivos para integrar um Estado à
comunidade internacional na melhor forma do Direito Internacional, apesar de
não ser unânime ainda que corresponda à
compreensão majoritária sobre o tema, mesmo que por meio do Direito
Consuetudinário, e não por força da convenção per se. No que diz respeito às
micronações, algumas efetivamente reclamam estar em harmonia com os critérios
mais básicos estabelecidos pela Convenção, ao passo de que a esmagadora maioria
ignora as exigências da mesma.
Ao
longo dos anos, projetos micronacionais ganharam uma gama mais extensa de
denominações, em uma tentativa de classificar a ampla variedade de micronações
que surgiram. Algumas dessas novas denominações com utilização mais corriqueira
foram cibernações, país ou nação-modelo, novo projeto de país, nação online ou,
em menor uso, pseudonações, contranação ou estados efêmeros. A
micropatriologia, que é o estudo da atividade micronacional, vem buscando desde
seus primórdios a classificação dos projetos que surgem, mediante análise de
suas características e inúmeros critérios foram estabelecidos e substituídos e
contestados, o que leva à grande confusão na compreensão da atividade
micronacional e, não raras vezes, conflito entre micronacionalistas de vertentes
variadas.
O
presente texto tem por objetivo analisar diversos critérios de práticas
micronacionais, suas características e demonstrar o quão ampla pode ser a
expressão micronacionalismo.
Micronacionalismo:
um breve histórico e sua evolução
O
século XVII presenciou a ascensão do conceito expresso pelo Tratado de
Osnabrück e Münster, conhecidos pelo nome de Paz de Vestfália, que marcou o
princípio do sistema moderno observado pelo Direito Internacional e consagrado
como um dos momentos mais impressionantes da prática diplomática de todos os
tempos, ainda que sua interpretação seja desafiada em algumas ocasiões.
Foi
apenas no século seguinte que as primeiras entidades que podem ser
classificadas como micronações surgiram. A maioria dessas empreitadas ditas
micronacionais surgidas no século XVIII e XIX eram aventuras excêntricas ou
ambiciosas empreitadas financeiras com sucesso variado. Neste escopo,
destaca-se o caso do Reino de Sarawak (5),
fundado em 1841 e que sobreviveu até o ano de 1946, surgido como um “Estado
paralelo”, tornando-se efetivamente soberano, passando a protetorado britânico
e então, tornando-se parte da Malásia, status que se mantém até os dias atuais.
Esse caso em específico é o que iniciou a tradição de crer que projetos
micronacionais, para o serem, precisam vislumbrar a independência e
reconhecimento.
Exemplos
contemporâneos ao Reino de Sarawak foram os desastrosos estabelecimentos do
Reino da Araucânia e Patagônia (1860-1862), violentamente reprendido pelos
governos do Chile e da Argentina mas com pretendentes ao trono até os dias
atuais e o Reino de Sedang (1888-1890), cuja história confusa e turbulenta
contra o Vietnã, França e Inglaterra terminou com a morte de seu fundador. Do
mesmo período, sobrevive até o presente o Reino de Redonda; formalmente uma
dependência de Antígua e Barbuda, fundada em 1865, não obteve êxito em
declarar-se independente, mas conseguiu manter-se como uma fundação literária
com sua própria monarquia e aristocracia – e quatro pretendentes ao trono.
Apesar
dessas histórias de absoluto fracasso ou de sucesso moderado, há ainda um marco
histórico na definição de micronação, estabelecido, em certa instância, por
Lundy, uma ilha britânica cujo proprietário no início do século XX emitiu suas
próprias moedas e selos postais, ainda que jamais tenham se declarado
independentes do Reino Unido apesar de ser comumente mencionada como tendo sido
governada como um feudo. Este exemplo tornou-se o precursor das chamadas
“micronações territoriais” ou “derivatistas”.
À
parte das aventuras do século XIX, foi na segunda metade do século XX que houve
o chamado “renascimento micronacional”, com inúmeras micronações territoriais
sendo fundadas e lançando base para os projetos que viriam no futuro,
especialmente as que surgiriam nos países de Língua Inglesa. O exemplo mais
famoso, o grande expoente das micronações fundadas neste período é o Principado
de Sealand, fundado em 1967. O período também observou inúmeros projetos que
ambicionaram ou levaram a cabo a construção de ilhas artificiais. Destes, dois
tiveram sucesso na construção, mas com seus projetos micronacionais atacados e
desmantelados: a República da Ilha Rosa, fundada em 1968 e destruída pela
Marinha Italiana e a República de Minerva, fundada em 1972 e anexada por Tonga.
Na
década de 1980, o Japão vivenciou um fenômeno micronacional próprio, com
inúmeras localidades declarando-se independentes como forma de chamar atenção
para sua cultura e dialetos, tendo realizados diversos encontros micronacionais
e uma saudável e lucrativa indústria turística que trazia o público urbano ao
interior. O movimento arrefeceu com a crise econômica de 1991, quando muitos
dos vilarejos que integraram o movimento micronacional foram reforçadas a se
fundir com cidades maiores, dissolvendo as entidades micronacionais.
Na
atualidade, diferente dos pioneiros micronacionais, com suas atividades militarizadas ou calcadas na prática
comercial, o micronacionalismo tornou-se quase que um hobby praticado por
jovens quase que integralmente pela Internet, em inúmeras comunidades e setores
on-line com alguns desdobramentos fora do setor virtual. A internet proveu para
o movimento micronacional um caráter inédito de profissionalismo e
visibilidade, dando origem a centenas de projetos desde o início dos anos 1990,
mas também fragmentando o movimento micronacional em diversos tipos de
práticas, uma vez que, enquanto movimento social, o micronacionalismo é tão
sujeito à mudanças quanto qualquer outra prática social. Se antes as
micronações poderiam arrebatar centenas de defensores e cidadãos com
considerável distância entre elas, agora é absolutamente comum encontrarmos as
“nações de um homem só” ou então, em expressão menos lisonjeira, “Egostão”;
projetos criados puramente para vaidade de seu líder. A prática micronacional é
global e plural, mas é especialmente popular nos países de Língua Inglesa (6).
Destas
micronações que se beneficiaram da presença online, destacam-se o Reino de
Talossa, fundado em 1979, porém presente na internet desde 1995, e a República
Real da Ladônia, que existe como território físico e virtual, fundado em 1996.
Classificando
projetos micronacionais
Com
a popularização do tema, natural que a micropatriologia também avançasse.
Despertando interesse não apenas na mídia, mas também na academia, micronações
passaram a ser não apenas um fenômeno social a ser observado, mas também a ser
estudado, contando já com considerável número de artigos acadêmicos e
publicações literárias dedicadas ao tema. Um dos focos de estudo dos
micropatriologistas é a qualificação de uma micronação; isto é, que tipo de
projeto é a aquela micronação e se, por suas características, pode ser assim
considerada.
Introduzindo
brevemente o tema, iniciemos com conceituações relacionadas ao macronacional
ou, como observado, ao “eixo da realidade”; isto é, instituições sujeitas ao
Direito Internacional amplamente reconhecidas com relações soberanas em maior
ou menor escala.
“Entidades
supranacionais” compreendem um conjunto de micronações, que por força de
tratado, assumem funções governamentais ou administrativas ordinárias, sendo
também mantida por uma coletividade de macronações, tendo por expoente e melhor
exemplo a União Europeia.
Por
sua vez, “macronações”, como já mencionado anteriormente, são entidades
soberanas em seu próprio território e não possuem relação de dependência com
outras macronações e, por definição, correspondem aos princípios da Convenção
de Montevidéu e integram a Organização das Nações Unidas; no mínimo, contando
com reconhecimento da comunidade internacional, como a Espanha ou Portugal, por
exemplo.
“Microestados
reconhecidos” são os Estados que tenha sua soberania reconhecida pela
comunidade internacional, mas devido ao seu tamanho, podem ter relação de
dependência com outras macronações, como é o caso de Andorra ou Nauru. A
variação não reconhecida de um microestado seria a posse e exercício de facto
de soberania sobre um território sem o reconhecimento de macronações.
Isto
posto, adentramos na classificação dos projetos micronacionais. A literatura
micropatriológica convenciona, em sua maior parte, que micronações podem ser
categorizadas pelos padrões de “simulação sócio-político-econômica”, “simulação
histórica”, “exercícios de entretenimento pessoal e auto-engrandecimento”,
“exercícios de fantasia, ficção ou expressão artística”, “forma de promoção de
agenda”, “para meios de fraude”, “anomalias históricas e Estados aspirantes”.
“exercício de revisionismo histórico” e “projetos de novos países”.
As
micronações de simulação sócio-político-econômica tendem a apresentar-se de
forma séria, com envolvimento de participantes maduros e normalmente envolvidos
em atividades sofisticadas e estruturadas para emular operações de uma
macronação. Sob esta definição, amplamente aceita, encaixam-se a Cidade Livre
de Christiania, uma micronação ou, sob a visão do governo dinamarquês, uma
comunidade autônoma fundada em 1971 e o Sacro Império de Reunião, micronação
brasileira fundada em 1997. Ocorre que mesmo encaixando-se nesta definição,
estas ainda se diferenciam por uma ser chamada de derivatista e a posterior,
como simulacionista; essa variação será tratada mais adiante.
As
simulações históricas na forma de um projeto micronacional, nos mesmos moldes
das simulações sócio-político-econômicas tendem a aparentar seriedade e
profissionalismo, mas seu foco é o de emular instituições e situações e
culturas passadas, normalmente greco-romanas ou medievais. O destaque desta
categoria fica à cargo de Nova Roma, fundada em 1998 e hoje, afastando-se de
seu viés micronacional e sendo, desde 2016, uma organização educacional e
religiosa sem fins lucrativos (7).
Às
centenas, há as micronações devotadas ao entretenimento e ao
auto-engradecimento, que constituem a maior parte dos projetos micronacionais
em vigor na atualidade8. Esta categoria possui características diversas,
mesclando características das mencionadas anteriormente, porém, limitam-se
normalmente à atividade exclusivamente online e duram poucas semanas ou meses,
ainda que seja uma categoria com exceções muito notáveis que confirmam a regra.
São as exceções notáveis mais expressivas o Império Aericano, fundado em 1987
sob um aspecto de projeto pythonesco e a República de Molóssia, fundada em 1999
e já parada obrigatória entre os turistas de Nevada, Estados Unidos da América.
Os
exercícios de fantasia, ficção ou expressão artística que usam da prática
micronacional são deliberadamente criados para expressar uma visão artística,
fantasiosa e constituem per se obras de arte, ignorando em grande parte os
aspectos políticos que podem ser verificados nos projetos micronacionais de
outras vertentes. Exemplos desta categoria são a República Real da Ladônia,
cujo território é uma faixa peninsular da Suécia onde se encontram criadas por
Lars Vilks em 1996 e o Principado de Lorenzburgo, micronação também sueca que
promove a “paramitocracia”, isto é, uma micronação que com a ajuda do município
de Karlstad, promove turismo e narrativa coletiva.
Assim
como a arte pode se utilizar da prática micronacional para sua promoção, é comum
que grupos que defendem uma causa vez ou outra se interessem e se organizem de
forma semelhante. Micronações criadas para defesa ou promoção de uma agenda
específica estão usualmente associadas com agendas progressistas e reformistas
e visam atenção midiática para a questão a ser defendida. Alcançou certo renome
a República da Concha, fundada em 1982 motivada por um bloqueio e posto de
controle da Patrulha de Fronteira dos Estados Unidos que incomodou moradores e
turistas e o Reino Gay e Lésbico das Ilhas do Mar do Coral, criado em 2004
frente à recusa do governo australiano em reconhecer uniões homoafetivas, mas
dissolvido com a mudança na legislação em 2017 (9).
Se
por um lado a prática micronacional é reconhecida por atrair artistas e
ativistas aventureiros no melhor uso da expressão, há também quem se atreva ao
uso da prática micronacional para propósitos funestos. É famoso o exemplo do
Domínio de Melchizedek, fundado em 1990 e que supostamente reclamava soberania
sobre diversas pequenas ilhas no Oceano Pacífico com o intuito de se constituir
em um paraíso fiscal, e cujos criadores foram processados pelas práticas de
diversos crimes. Outra micronação que normalmente sofre intervenções legais é a
República Livre de Liberland, fundada em 2015 e acusada de vender cidadanias a
refugiados sírios em troca de asilo, o que naturalmente, não pode ofrecer (10).
Categoria
interessante é composta pelos Estados aspirantes e anomalias históricas.
Diferente das demais, essas micronações são fundadas com aspirações genuínas de
se tornarem Estados soberanos e surge de anomalias históricas ou interpretações
excêntricas da lei, o que as tornam suscetíveis de serem confundidas com
macronações. Normalmente, localizam-se em pequenos e disputados enclaves territoriais
e com atividade econômica baseada em turismo, filatelia e numismática. Na
melhor das hipóteses, são tolerados pelas macronações que as cercam e, na pior
das hipóteses, ignorados. São exemplos desta categoria o Principado de Seborga,
cuja fundação remonta ao ano de 1963 com base na ausência da região no Ato de
Unificação do Reino da Itália em 1861 e, portanto, à parte da unificação a
macronação vizinha e o famoso e midiático Principado de Sealand, fundado em
1967 sobre uma plataforma de bateria antiaérea britânica do período da Segunda
Guerra Mundial e baseando sua legitimidade em uma interpretação de uma decisão
dos tribunais britânicos em 1968, que destacava que a Roughs Tower, onde se
localizava a micronação, estava fora da jurisdição das cortes domésticas.
Ainda
em relação à eventos históricos, existem os projetos referentes ao revisionismo
histórico. É uma categoria com poucos exemplares e, ao surgirem, tendem a
apresentar- se como “governo-no-exílio”, muito embora não contem com o apoio de
nenhum grupo político e sua relevância seja diminuta, no melhor dos casos. O
exemplo consagrado e sempre utilizado para esta categoria de atividade
micronacional é o Governo Provisório Imperial, fundado em 1985 e que
autoproclama representar o governo do Império Alemão em suas fronteiras
pré-1914.
Por
último, existem projetos de novos países. Normalmente envolvem a ideia de
comprar ou construir uma ilha artificial e fundar uma nação sob os auspícios de
ideologia libertária ou liberal e democrática. Exemplos marcantes são a
República de Minerva, fundada em 1971 em uma ilha artificial e invadida e
anexada por Tonga no ano seguinte e o Principado da Freedônia, fundado
oficialmente em 1997, tentou obter terras entre 2000 e 2001 e confrontos por
essa aquisição territorial resultaram em uma morte e na dissolução do projeto.
Ainda
no plano do "eixo da realidade" micronacional, há algumas outras
definições interessantes que merecem nossa atenção. As "protonações",
que são micronações localizadas no território físico que reclamam, mas não
busca ativamente afirmar sua soberania contra uma micronação, o que é o caso
declarado pelo Reino de Talossa. São denominadas "metanações" as
micronações que definem possuir uma "pátria espiritual", ao passo que
possuem uma estrutura de governo ativa, não necessariamente localizada nesse
território e é exemplo sempre citado para esse caso o Sacro Império de Reunião.
São "pseudonações" aquelas criadas para serem simplesmente de
fantasia ou para o role-playing game, ao passo que "ego-nações" são
as que consistem de poucos cidadãos e cujo objetivo é atribuir pompa e
circunstância aos seus mantenedores.
Encerrada
a análise do "eixo da realidade", isto é, do eixo de estudo entre
macronações e micronações, dos pontos de convergência aos de divergência entre
os conceitos, é preciso analisar, então, o "eixo do derivatismo", que
se aplica apenas à micronações, e é uma análise de similaridades entre as
entidades micronacionais, em referência aos paralelos macronacionais, podendo
acumular as definições deste eixo com a do eixo da realidade (11). Em termos
simplificados, trata da micronação "mais realista" à "menos
realista".
Uma
micronação dita "derivatista" é comprometida em estabelecer
instituições que pareçam e ajam como instituições micronacionais, tais quais
uma moeda corrente, forças de defesa, noticiário, parlamento e afins, como por
exemplo, o Principado de Aigues-Mortes. O projeto que se encaixa na definição
de "semi-derivatista" é a micronação que, influenciada pelo realismo,
mescla esse comprometimento com o derivatismo com instituições mais focadas no
escopo micronacional, como é o caso da República de West Who.
Na
sequência, podemos observar as micronações "semi-peculiaristas", que
detém elementos derivatistas no sentido de aparentar profissionalismo e
seriedade e "peculiarismo", que por sua vez, é o projeto
micronacional que espelha a aparência de instituições macronacionais, mas as
visualiza como base de sua expressão cultural enquanto micronações. Um exemplo
de micronação semi-peculiarista é o Sacro Império de Reunião, enquanto um
exemplo de micronação peculiarista poderia se aplicar à também lusófona
micronação das Províncias Unidas de Maurícia ou à muito tradicional República
de Porto Claro. Por último, as micronações "fantásticas" ou
"fantasiosas", como sugerido, não fazem esforço em emular
instituições macronacionais, constituindo pura fantasia, portanto.
Para
fins de análise, e ainda podendo acumular com as definições já apresentadas, há
o chamado "micronacionalismo temático". Micronacionalismo temático é
o conceito de que micronações baseiam um ou mais aspectos de seu projeto em uma
temática particular, mormente uma temática cultural, mas também podendo se
aplicar a aspectos econômicos, políticos ou religiosos. Essa variante do
micronacionalismo se subdivide entre a temática "histórica", onde os
projetos usam por tema uma era histórica em particular ou, em alguns casos, com
elementos "futuristas" e por esse viés de "releitura", são
usualmente - e de forma equivocada - confundidas com simulações históricas; a
variante "geográfica" tem sua temática em torno de uma nação ou local
em particular, enquanto a variante "religiosa" tem sua grande
inspiração em elementos de uma ou mais religiões, existentes ou criadas para
propósitos micronacionais. As do tipo "político" tem sua inspiração
maior em uma base política específica, normalmente, socialistas- comunistas,
mas com também já tendo sido verificados exemplos nacional-socialistas (12).
Para
exemplificar o exposto acima, citamos o Império da Austenásia e o Reino de
Imvrassia como micronações de temática histórica, replicando cultural romano-
bizantina e greco-romana, respectivamente; representam a modalidade
"geográfica" o já extinto Império de Pavlov e a Comunidade da
Zelândia, cuja inspiração encontrava-se na Rússia e na Escandinávia,
respectivamente. Na modalidade religiosa, destacam-se o Estado de Sandus e sua
inspiração budista e o Reino Templário, que se autointitula como sendo o
"Vaticano Protestante". Na variante política, podemos utilizar dois exemplos
em espectros opostos: a Comunidade Federal de Sirocco, anticomunista com
elementos da década de 1950 em sua estrutura (sendo, portanto, histórica
também), e a micronação brasileira e hoje extinta União das Repúblicas
Socialistas Populares, que visava reunir todas as correntes marxistas em uma
mesma micronação.
A
teoria do plano paralelo: uma nova abordagem
A
teoria do plano paralelo surgiu para a micropatriologia em 2017, quando do
acontecimento do Congresso de Colo, um evento intermicronacional que tinha por
objetivo criar procedimentos padronizados para a diplomacia, economia,
soberania micronacional e outros elementos de Estado. Participaram desse evento
os maiores projetos micronacionais identificados como derivatistas no
continente americano, a saber: a Grande República de Delvera, a Confederação
Norte-Americana e o Império Karno-Ruteno (13).
Nomeada
como “Resolução sobre Soberania Micronacional” (14), foi escrita pelos
participantes do congresso, considerando que existem micronações e macronações
com seus deveres e responsabilidades estabelecidos, mas que não se sobrepunham,
e que uma vez que micronações teriam poder a ser exercido sobre as esferas
social, cultural e econômica, a autoridade micronacional se basearia
inteiramente no consentimento dos governados e não através do “uso da força”,
característica típica do poder de coação do Estado “clássico”.
Ainda,
verificando que as leis micronacionais são aplicadas mediante a aplicação de
punições acordadas via consensus ad idem e de acordo com restrições
macronacionais à violência (uma vez que, como afirmado anteriormente,
micronações não tem poder de coação), micronações não ignoram que seus cidadãos
micronacionais possuem igualmente uma cidadania macronacional e, desta forma,
considerando que macronações não toleram desafios à sua autoridade na forma de
movimentos secessionistas ou separatistas (e que nem isso necessariamente
precisa ser o objetivo de um projeto micronacional respeitável), governos
micronacionais que efetivamente se colocam como “servidores” dos cidadãos que
se lhes dispuseram por manifesto de vontade e consciência, devem proteger seus
cidadãos de dificuldades e perseguições desnecessárias nas mãos de macronações
em relação a movimentos micronacionalistas irresponsáveis, com observação
notável aos projetos ditos “secessionistas” ao invés de “derivatistas”.
Por
essa lógica, a soberania dita micronacional e a soberania macronacional não se
excluiriam mutuamente, mas coexistiriam e se aplicariam onde de direito e, para
os casos em que micronações buscassem o status de Estado Macronacional, haveria
uma alteração em sua base de autoridade e, portanto, de seu caráter nacional.
Isto
posto, impossível seria não reconhecer que governos micronacionais não mantêm o
monopólio do uso da força exercido pelas macronações e que estariam sob a
jurisdição das leis da macronação afetada e arcariam com a identificação talvez
equivocada como sendo um movimento que buscasse usurpar o monopólio da força
macronacional, o que naturalmente extrapolaria o viés micronacional de qualquer
projeto. Naturalmente, a resolução não se aplicaria ao direito de
autodeterminação de qualquer pessoa ou povo, ou de seu governo representativo.
A
teoria repercutiu em algumas micronações. Além das micronações que protagonizam
a coautoria da resolução, a Comunidade de Deseret, a República de West Who, o
Império de Adammia e o Principado de Ermenstein acabaram adotando a teoria como
parte de sua filosofia e consciência micropatriológica.
Como
era de se esperar, houve também críticas à nova teoria, apesar de insipientes.
Os micronacionalistas adolescentes Tom McMillan e Will Campbell tentaram
desenvolver a teoria entre o final de 2017 e o início de 2018 para
fundamentarem o movimento que eles próprios procuravam estimular, denominado em
um curtíssimo artigo como “Novo Secessionismo”. Ocorre que para suas grandes
ambições, a teoria não se encaixava por parecer “simulacionista por natureza”,
ignorando os preceitos mais básicos da teoria: micronações não podem coagir
cidadãos e não conseguem disputar com macronações pelo uso da força.
Para
esses críticos, a resolução confrontava diretamente a ideia de que micronações
devem tornar-se independentes. Apesar dessa argumentação, é interessante
observar que o projeto micronacional liderado por esses críticos contava com
elementos mitológicos e emulava a
economia do Reino Unido da Grã-Bretanha, o que lhe traria a classificação
clássica de micronação semi-peculiarista. Apesar da ironia trazida pelos fatos,
o projeto colapsou, existindo alegadamente desde 2014 até meados de 2019.
Outro
aspecto levantado pelos referidos críticos para “melhorar” a teoria ou
“torná-la aplicável” era a comparação com o princípio de soberania tribal nos
Estados Unidos. Um erro, naturalmente: apesar de o governo tratar algumas
tribos indígenas como “nações dependentes domésticas” (15), esse conceito cria
autoridade inerente à tribos de se autorregularem em assuntos tribais apenas, o
que pode ser encarado, na melhor das hipóteses, como autonomia limitada.
A
teoria do plano paralelo, como todas as teorias, não é absoluta reprodução da
verdade e tende a ser desenvolvido, melhorada ou adaptada, mas é inegável que
corresponde à prática: micronações surgem e seus governos desenvolvem
capacidade na medida que cidadãos se unem ao projeto e oferecem aos governantes
o privilégio de governá-los, o que sim, significa delegar-lhes poder e
autoridade, na medida em que estes aceitem o referido poder e autoridade. De
outra forma, seja por incapacidade absoluta de forçar autoridade ou por ausência
completa de cidadãos, sob essas circunstâncias deixa de contar com sua forma de
Estado, dado que um elemento básico para ser assim classificado é ter uma
população física e controle sobre a região que reclama. Sem força de controle e
sem população que aceite essa força, não há nem micronação, nem macronação.
Conclusão
Comum
a todas as áreas da expertise humana, a compreensão da atividade micronacional
é alterada pelo tempo, pelo espaço e pela percepção de como esse tipo de
atividade influencia os dois elementos e tudo que nele se é verificado, com
especial destaque ao homem: mutável por natureza, adaptável por situação e
inconformado por instinto.
Micronacionalismo
é, em certa medida, uma manifestação viva do “Estado ideal” que gostaríamos de
nos inserir, fato comprovado por inúmeros pedidos de cidadania que micronações
recebem diariamente de “inconformados”. Não que pensem realmente em sua mudar
para uma micronação, mas essa cidadania adquirida se torna uma peça de
resistência, uma manifestação de princípios. E micronacionalismo é exatamente
isso.
Em
que pese haverem dezenas de nomenclaturas possíveis, sendo as mencionadas aqui
potencialmente predecessoras de outras tantas que ainda virão, o movimento
micronacional pode ser sintetizado como uma simulação mais ou menos séria de um
Estado, ainda que evoque o objetivo de constituir uma Nação, com maior ou menor
sucesso. A forma como isso se dá, tal qual as diferenças entre povos, é tão
particular que não parece coerente
denominar projetos com esse ethos como “micronacional” ou “não-micronacional”.
Todo
projeto pode, e até certa extensão deve ser classificado, mas é inegável que
todo sistema tende a ser renovado e adaptado mediante novas realidades que se
apresentem e o micronacionalismo não se furta à essa regra.
Referências
(1)
https://comicro.fandom.com/wiki/Micronationalism, acessado em 29 de Dezembro de
2019, às 23h10.
(2)
https://micropatriologia.wordpress.com/2008/04/02/60?, acessado em 30 de
Dezembro de 2019, às 08h57.
(3)
Representadas por uma extensão geográfica “macronacional” ou um espaço virtual,
como um fórum online na Internet.
(4)
https://treaties.un.org/doc/Publication/UNTS/LON/Volume%20165/v165.pdf, texto
da Convenção de Montevidéu, acessado em 29 de Dezembro de 2019, às 23h26.
(5)
https://www.brooketrust.org/history-of-sarawak, acessado em 29 de Dezembro de
2019, às 23h49.
(6)
https://search.proquest.com/openview/3fde5068e69701ed0d38d94dc9ed1e79, acessado
em 31 de Dezembro de 2019, às 07h29.
(7)
http://www.novaroma.org/nr/Nova_Roma,_Incorporated, acessado em 29 de Dezembro
de 2019, às 14h46.
(8)
https://comicro.fandom.com/wiki/Micronationalism, acessado em 29 de Dezembro de
2019, às 14h53.
(9)
https://en.wikibooks.org/wiki/Micronations/History_of_micronationalism, acessado
em 30 de Dezembro de 2019, às 15h28.
(10)
http://sombor-blog.de/how-liberland-abuses-refugees-and-fools-the-world/, acessado em
29 de Dezembro, às 15h33.
(11)
http://www.tisserand.grupobarman.com/Docs/ClassRes1.html, acessado em 02 de
Janeiro de 2020, às 14h36
(12)
https://micronations.wiki/wiki/Themed_micronationalism, acessado em 20 de
Janeiro de 2020, às 15h25
(13) https://lavradabannerman.wordpress.com/2017/08/21/congress-of-colo-passes-resolution-on-
micronational-sovereignty/, acessado em 02 de Janeiro de 2020, às 21h36.
(14) https://docs.google.com/document/d/1EevVa2_z_eBF3_FpeAOPL3Ffr7-tjqsTHFjK2SBeSGw,
“Resolução Sobre Soberania Micronacional”, Congresso de Colo, 19 de Agosto de
2017.
(15)
https://www.justice.gov/otj/native-american-policies, Políticas
Nativo-Americanas, Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América,
acessado em 02 de Janeiro de 2020, às 22h03.
0 Comentarios