UMA ANÁLISE DA ATIVIDADE MICRONACIONAL BRASILEIRA: DO PSEUDOMATERIALISMO AO VIRTUALISMO EXCESSIVO
UMA ANÁLISE DA ATIVIDADE MICRONACIONAL
BRASILEIRA: DO PSEUDOMATERIALISMO AO VIRTUALISMO EXCESSIVO.
Sua
Alteza Ilustríssima, Thomas de Albuquerque-Maryen, Príncipe Karácsony-Maryen.
Micromundo
Express; Micronacionalismo;
Micronacionalismo lusófono. Estes e tantos outros grupos no facebook
reúnem as notícias das micronações brasileiras. Aliás, os micronacionalistas
brasileiros são maioria absoluta nestes grupos dedicados ao micronacionalismo
lusófono, com exceção de alguns portugueses e dois ou três angolanos. Nestes
territórios virtuais, as reportagens sobre as atividades das micronações
inundam as notificações do Facebook, quase como um flood permanente. A Espanha
aprovou sua Constituição recentemente, a União Platina elegeu um novo
Governador e o Vaticano reconheceu uma outra micronação.
O
Micronacionalismo brasileiro é praticamente isso: Representações de nações
macronacionais, geralmente em um período histórico específico e com
características quase sempre monárquicas, com exceção para algumas poucas
repúblicas. Algumas micronações simulacionistas replicam símbolos (mídias,
brasões, bandeiras), territórios e moedas das nações existentes no mundo.
O
Simulacionismo já se tornou corrente unânime entre os micronacionalistas
brasileiros, mas não é uma máxima em outras partes do mundo. Os anglófonos, por
exemplo, são em sua grande maioria derivatistas; ou seja, a maioria das
micronações têm como representação territorial a casa ou algum território pertencente
ao seu fundador. Isso acontece na lusofonia também, mas com pouca
representatividade. As exceções são o Império Karno-Ruteno, o Reino do Manso, o
Ducado de Libértia (Estado constituinte do Império Karno-Ruteno), o Principado
do Ilhéu da Pontinha e alguns outros projetos. A simulação, como visto, é a
principal atividade dos brasileiros no micronacionalismo, mas sempre foi assim?
O fruto da atividade micronacional entre os brasileiros sempre foi de cunho
virtual e, porque não, imaterial? Como se deu o caminho para chegar até as
atividades atuais? É o que este artigo busca investigar.
PARTE
I: O INICIO DA LUSOFONIA E DAS PSEUDOMATERIALISMO BRASILEIRAS E O
Em
1992, Pedro Aguiar decidiu fundar Porto Claro, a primeira micronação brasileira
que se tem notícia. A história de Porto Claro começa da forma mais materialista
possível: a micronação começou a se desenvolver a partir do “Mapão”, uma grande
planta da cidade de São Herculano
desenhada
por Aguiar. Após isso, Aguiar levou seu mapa para o colégio, onde os colegas
começaram a escolher casas e terrenos no mapa e participar da simulação
apresentada pelo colega.
Apesar
da simplicidade e simulação, o micronacionalismo brasileiro e lusófono começou
de forma mais imersiva e material: todos os atores da simulação estavam ali,
reunidos pessoalmente em volta de um mapa da micronação, assumindo funções e
escolhendo onde moravam, apesar de que muito deles não continuariam na
micronação nos outros momentos da história. Essa “materialização” de Porto
Claro chegou inclusive, a ser demonstrada na criação dos cidadãos de papel, os
paples, que compreende o período da história de Porto Claro de 1993 – 1997. Foi
em 1996 que Pedro Aguiar descobriu as micronações anglófonas espalhadas pelo
mundo, passou por “conflitos” internacionais com seus paples e incluiu a
lusofonia no simulacionismo virtual das micronações. Com o e-mail enviado por
Aguiar à Liga dos Estados Secessionistas (L.O.S.S, League of Secessionist
States em inglês), estava marcada a entrada da lusofonia no universo
micronacional.
Outra
micronação que teve um inicio bastante material foi o Sacro Império de Reunião.
Apesar de sua atividade ocorrer pela Internet, há bastante material produzido
“fisicamente”. É notório que Cláudio de Castro, Sacro Imperador de Reunião,
costumava andar paramentado com sua vestimenta Imperial e com medalhas,
chegando a aparecer em matérias de grandes jornais brasileiros desta forma.
Além disso, eram bastante comuns os encontros de Reuniões, cujo o site de
Reunião dá conta de terem acontecido pelo menos seis edições e onde as fotos
infelizmente já não estão mais acessíveis ao tempo deste estudo. Além disso, na
Hemeroteca Imperial é possível acessar diversos jornais de época que falam
sobre Reunião, jornais da própria micronação que foram impressos e documentos
encaminhados ao Imperador. Reunião foi mais além em alguns aspectos. O
Imperador Cláudio, por exemplo, já chegou a visitar o território reclamado pela
micronação, a Ilha de Reunião, ordenou a cunhagem de medalhas, moedas e
cédulas, imprimir passaporte próprio, bandeiras, cartão da Imperial e
Benemérita Sociedade dos Amigos do Sacro Império de Reunião, dentre muitas
outras “materialidades”. Como podemos ver, o passado do micronacionalismo
brasileiro é marcado tanto pela simulação quanto por este materialismo em
pequenos detalhes que vão construindo elementos físicos das micronações, que
aqui chamamos de pseudomaterialismo. As primeiras micronações importantes para
o micronacionalismo lusófono mantinham essa perspectiva de produção de legado
material em seus projetos, além das constantes reuniões e encontro de seus
cidadãos.
PARTE II: O CENÁRIO ATUAL DA LUSOFONIA, OS DISSIDENTES DERIVATISTAS E O
VIRTUALISMO COMO PREDOMINÂNCIA
Hoje,
uma infinidade de micronações surgem no cenário brasileiro, todas de cunho
puramente virtual. As já existentes e consolidadas no cenário micronacional
lusófono também seguem esta vertente através dos anos. Devido ao modelo
pré-estabelecido por Porto Claro, Reunião e as micronações que surgiram no
cenário brasileiro, o virtualismo se tornou corrente predominante no
micronacionalismo brasileiro, com algumas exceções.
Dentro
destas exceções, se destacam o Reino do Manso, micronação derivatista situada
na propriedade rural da família da Rainha Marina I e que alia fatos do
cotidiano e história familiar a acontecimentos da micronação. Há também o
Império Karno-Ruteno, que congrega micronações derivatistas espalhadas pelo
mundo e que hoje é a principal referência do derivatismo lusófono. Entre as
micronações que constituem o Império há também o Ducado de Libértia, tendo como
representação territorial a residência de seus fundadores, bem como o Reino de
Rutênia, situado em propriedade da família do Imperador-Rei Oscar I. Há também
o internacionalmente conhecido Principado da Pontinha, que reivindica como
território o Ilhéu da Pontinha, adquirida por D. Renato Bastos II em 2000, mas
que desde 1903 não é considerada mais território português. Podemos ainda
considerar as Províncias Unidas de Maurícia como uma mescla entre simulacionismo
e derivatismo, já que vários de seus cidadãos vivem nos territórios reclamados
pela micronação.
A
maioria destas micronações, pela sua característica derivatista, já tem uma
existência real, devido às suas reclamações territoriais coerentes com os
locais onde estão seus fundadores e que acabam influenciando nos mapas e outras
características dos projetos. Além disso, há a produção de cédulas de dinheiro
(Kárnia-Rutênia e Manso já tiveram algumas cédulas impressas ou desenhadas),
impressão de cartões-postais, de diplomas de títulos nobiliárquicos, bandeiras,
camisas de times de futebol (principalmente na Kárnia-Rutênia, onde foram
produzidos modelos do Real Ephigenia e do Karácsony Football Club) e outros
detalhes micronacionais.
Além
disso, algumas destas micronações se empenham em realizar encontros
micronacionais que, inclusive, não se limitam às micronações derivatistas, mas
que ainda são raros no micronacionalismo lusófono brasileiro devido ao tamanho
continental do país, que dificulta e encarece as viagens dos
micronacionalistas.
O
Reino da Escorvânia é uma das pioneiras e também das mais frequentes
micronações a realizar encontros micronacionais, principalmente entre seus
cidadãos. Ao todo já aconteceram seis encontros de escorvâneses e um encontro entre o Presidente da União
Platina e o Ministro da Educação da Escorvânia.
Em
2016, aconteceu o encontro de micronacionalistas na Pinacoteca de São Paulo.
Participaram desta edição o Imperador-Rei Oscar I e o Príncipe Herdeiro dos
Pampas. Em 2018, ocorreu mais um encontro de micronacionalistas, desta vez
participando Oscar I da Kárnia-Rutênia, o então Conde Lucas de Orange das
Províncias Unidas de Maurícia, o Kaiser Guilherme III e o então Conde Fernando
de Vyšehrad da Alemanha. Este talvez tenha sido o principal encontro de
micronacionalistas de várias micronações dos últimos anos. Os encontros
micronacionais tem sido o carro-chefe de uma prática micronacional mais
realista no micronacionalismo brasileiro, além de raras produções de materiais
citados anteriormente. Ainda assim, são poucas as micronações que se empenham
na produção física de seus materiais, ficando estas produções limitadas às
atividades das micronações derivatistas. Pelo caráter virtualista, as
micronações mantém suas produções apenas no campo das representações gráficas
online. Assim, moedas, bandeiras, cartas e outros documentos existem apenas
como “peça publicitária” produzida em Photoshop e divulgadas nas redes sociais
e fóruns das micronações.
Conclusão
Pode-se
dizer que o micronacionalismo brasileiro surgiu como uma fusão do virtualismo e
do materialismo, o pseudomaterialismo. As primeiras micronações faziam,
sobretudo, simulações territoriais, políticas e sociais nos aspectos
geopolíticos, mas também tinham um caráter realista, uma vez que congregava
amigos próximos nas atividades, o que proporcionava uma interação real no
andamento das atividades das micronações. Esta proximidade tornou possível a
emissão de cartas, a produção de uniformes, bandeiras, documentos escritos à
mão, encontros micronacionais frequentes e bastante movimentados, além de
reportagens que divulgavam a atividade micronacional para todo o Brasil nas
décadas finais dos anos 1990 e início dos anos 2000.
Com
o boom da Internet brasileira, estas micronações, principalmente Porto Claro e
Reunião, tiveram contato com as micronações anglófonas e seu modus operandi de
fazer micronacionalismo, adaptando para suas realidades. A Internet caiu como
uma luva para ser a solução das micronações para as dimensões continentais do
Brasil. A atividade passou a ser quase que exclusivamente online, enquanto as
características presenciais da atividade foram se perdendo, bem como a produção
material de elementos das micronações.
Hoje,
a simulação virtual é predominante entre as micronações lusófonas, o que dá uma
impressão de facilidade na criação de novos projetos, o que culmina no
surgimento de diversas micronações ao longo dos anos. No entanto, as
facilidades do universo online não têm ajudado as micronações a conseguir novos
cidadãos e, porque não, novos adeptos ao micronacionalismo. Isso porque todos
aqueles que decidem fundar uma micronação o fazem sozinhos, e não acompanhados
de amigos, como fizeram os fundadores de Porto Claro e Reunião, por exemplo.
As
exceções a esta realidade virtual e imaterial se conta nos dedos e está no
legado construído pelas micronações derivatistas ou “mistas”. Nestas, os
fundadores e alguns cidadãos estão nos territórios reclamados e há constante
produção de material físico e real, apesar delas não abrirem mão das benesses
do virtualismo, conseguindo angariar cidadãos de outras partes do país e
mantendo contato com as diversas micronações espalhadas pelo Brasil. É
conclusivo afirmar, portanto, que o micronacionalismo brasileiro migrou de uma
realidade que aliava o micronacionalismo virtual com a produção de legado
material em seus primórdios, caracterizado aqui pelo termo pseudomaterialismo
já que não havia predominância da produção material, mas que estava presente na
atividade das micronações, para um virtualismo excessivo, pautado
exclusivamente na atividade e produção online, contando com poucas exceções.
Referências
● http://www.reuniao.org/projeto4.0/inicio.htm
– Acessado em 12 de outubro de 2019.
● http://imagens.micronacao.com.br/index.php?/category/2/%7C – Hemeroteca Imperial do Sacro Império de
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● https://micronations.wikia.org/pt/wiki/Papeliza%C3%A7%C3%A3o_de
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– Artigo sobre a papelização de Porto Claro. Acessado em 12 de outubro de 2019.
● https://micronations.wikia.org/pt/wiki/Descoberta_do_mundo_micron
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2019.
● http://www.theloss.org/ – Site da
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● https://micronations.wiki/wiki/League_of_Secessionist_States
– Artigo sobre a L.O.S.S. Acessado em 12 de outubro de 2019.
● https://pt.wikipedia.org/wiki/Principado_da_Pontinha
– Artigo sobre o Principado da Pontinha. Acessado em 12 de outubro de 2019.
● https://karniaruthenia.miraheze.org/wiki/Libertia – Artigo sobre o
Ducado de Libertia. Acessado em 12 de outubro de 2019.
● https://karniaruthenia.miraheze.org/wiki/Ruthenia – Artigo sobre o
Reino de Rutênia. Acessado em 12 de outubro de 2019.
● https://karniaruthenia.miraheze.org/wiki/2016_Micronational_Summit,
_S%C3%A3o_Paulo – Artigo sobre o I encontro micronacional. Acessado em 12 de
outubro de 2019.
● https://karniaruthenia.miraheze.org/wiki/2018_Micronational_Summit,
_S%C3%A3o_Paulo – Artigo sobre o II encontro micronacional.
Acessado em 12 de outubro de 2019.
● https://escorvaniagov.wixsite.com/escorvania/encontros-da-escorvania
–
Site sobre os encontros escorvaneses. Acessado em 12 de outubro de 2019.
● https://www.facebook.com/reuniao/ –
Página do Sacro Império de Reunião no facebook. Acessado em 12 de outubro de
2019.
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